11.6.04

À espera que amanheça e que tudo acabe...

amanhecer.BMP “- Dez anos!...Sabes tu, Hermengarda, o que é passar dez anos amarrado ao próprio cadáver? Sabes tu o que são mil e mil noites consumidas a espreitar em horizonte limitado a estrela polar da esperança, e quando, no fim, os olhos cansados e gastos se vão cerrar na morte, ver essa estrela reluzir um instante e depois, desfechar do céu nas profundezas do nada? Sabes o que é caminhar sobre silvados pelo caminho da vida e achar ao cabo, em vez do marco milenário onde o peregrino dê tréguas aos pés rasgados e sanguentos (...) Sabes o que isto é? É a minha triste história! Estrela momentânea que me iluminaste, caíste no abismo! (...) a minha mão desfalecida abandonou-te, e eu despenhei-me! (...) - Que tens tu com o presbítero de Carteia? (...) A tua glória é outra e mais bela; a glória de seres vencedor dos vencedores da Cruz. (...) Deus chamou-o para si, e tu vives para ser meu. (...) - Há comum, que o guerreiro e o presbítero são um desgraçado só!...Importa, que esse desgraçado é neste momento um sacerdote sacrílego. O pastor de Carteia. (...)Ajoelhou junto de Hermengarda e, pegando-lhe na mão já fria, beijou-lha. Nas raias da vida, aquele beijo, primeiro e último, era purificado pelo hálito da morte que se aproximava... Depois ergueu-se, vestiu a sua negra armadura, cingiu a espada, lançou mão do franquisque e, rompendo por entre o tropel, que fizera silêncio ao vê-lo, desapareceu através da porta da gruta, cujas rochas tingia cor de sangue a dourada vermelhidão da aurora.” (Eurico – O Presbítero, Alexandre Herculano)
Um amor impossível que degenerou na morte e na loucura...
Canela