30.6.04

Dar tempo ao tempo...

Hoje cruzou-se comigo na rua um homem caído do céu. Perguntou-me as horas, mas não me deixou responder, disse que estava com pressa e partiu ladeira abaixo sem deixar marcas na calçada.
Ontem cruzei-me com o mesmo homem na mesma rua e da mesma maneira ele voltou a perguntar-me as horas, voltando-me as costas sem me deixar responder, mais uma vez.
Amanhã sei que me vou cruzar com o mesmo homem no mesmo sítio, por isso vou lá ter com ele. Vou-lhe perguntar porque desaparece quando olho para trás e já não o vejo, para onde vai com tanta pressa, o que procura e o que o desespera.
Amanhã encontrei-me com ele e ele disse-me que procurava o tempo perdido que perdia em busca do tempo que jamais teria de volta. Disse-me também que procurava um sonho que tinha deixado numa gaveta de um armário com maçanetas cor de laranja e com cortinas nas janelas.
Quando depois de amanhã me cruzei com ele, novamente, trazia um chapéu de palha na cabeça e no canto da boca um cigarro apagado. Encostado prazenteiramente a um plátano centenário, mirava-me de alto a baixo enquanto eu descia a rua sinuosa. Perguntei-lhe que horas eram, mas ele não me deu tempo para terminar, deu-me a mão e baixinho sussurrou ao meu ouvido:
- Anda comigo ontem procurar o dia de amanhã!
Fui com ele. Mas ainda hoje não sei que horas eram quando parei o relógio de pêndulo da sala que sincronizadamente marcava o ritmo do meu coração...

Que horas são?

Canela